A Qualidade dos Materiais numa Pintura a Óleo

 

O Suporte, a Base, as Tintas e o Verniz

 

por Alexandre Coxo, 23 de Fevereiro de 2020

Normalmente esperamos que uma pintura a óleo seja uma obra que resista ao tempo. Por isso, quando adquirimos uma é importante saber se tem a qualidade necessária para dar garantias de longevidade.

É claro que a longevidade que procuramos dependerá do objectivo que temos para a pintura. Nem sempre desejamos adquirir uma obra que seja um legado para várias gerações. Mas sabemos que quanto mais garantias uma peça der mais nós teremos de pagar por ela.

Por longevidade de uma pintura a óleo consideramos o tempo que ela resiste sem alterações após o momento em que é feita.  Um exemplo: no caso dos pigmentos, a resistência à luz classifica-se  entre 2 anos e mais de 100 anos.

Se tivermos uma noção básica sobre os componentes que constituem uma pintura, podemos facilmente pedir informações de forma assertiva e avaliar a qualidade dos materiais de que é feita. Isto não interfere com o “estilo”, pois as tintas à base de óleo permitem uma imensa diversidade de efeitos e acabamentos.

Desde a pintura “alla prima” à pintura por camadas, figurativa ou abstracta, com camadas finas ou espessas, o óleo oferece uma elevada resistência à luz, às variações de humidade e temperatura do ar, desde que trabalhado com os materiais e os procedimentos certos.

Feliz e infelizmente com a industrialização da produção de tintas e de outros materiais para pintura, os artistas têm-se afastado dos conhecimentos necessários para a produção dos materiais que usam. Este facto tornou a indústria na entidade que dita a qualidade do que é usado, estabelecendo gamas de qualidades e preços, nem sempre servindo os pintores da melhor forma. Mais à frente apresentarei algumas marcas e artigos que nos podem ajudar a questionar os artistas sobre os vários componentes do seu trabalho.

Uma pintura a óleo é composta por 4 componentes. A sua estrutura será tanto mais estável e duradoura quanto maior a qualidade de cada um deles, bem como dos procedimentos a que foram submetidos durante a sua produção e criação artística. Esses componentes são: o suporte, a base, a tinta e o verniz.

O Suporte

Os suportes são os objectos sobre os quais a pintura é executada e podem ser divididos entre suportes rígidos e flexíveis. Em quase todos os casos é recomendado que sejam preparados com uma base ou gesso antes de serem pintados.

O material ideal para suporte seria um que não reagisse com a tinta, não variasse de tamanho com a humidade nem com a temperatura, fosse fácil de transportar e permitisse uma adesão perfeita da tinta. Contudo, e porque estamos no planeta Terra, temos de nos cingir a materiais que reúnem apenas algumas destas características e criar processos para contornar as fragilidades.

Os suportes rígidos são a opção mais segura para a conservação a longo prazo. Podem ser feitos de metal, madeira, cartão e materiais derivados como o MDF ou o contraplacado.

A probabilidade de a pintura se manter é maior. Mesmo nos casos em que a tinta é muito espessa, a resistência mecânica do suporte é sempre maior que a da tinta. Contudo os suportes rígidos têm três desvantagens: a preparação é mais demorada, são mais caros e o transporte é mais difícil.

Contudo para trabalhos de pequena ou média dimensão, são seguramente o mais indicado. Nestes casos o transporte não é bem um problema!

De todos, o alumínio é o melhor para pintura a óleo. A baixa densidade, a boa resistência à corrosão atmosférica, a elevada condutibilidade térmica, a não toxicidade e a resistência mecânica fazem dos suportes de alumínio leves o suficiente para serem fáceis de transportar e colocar numa parede, e resistentes aos vários agentes ao longo do tempo. O único defeito do alumínio é ser mais caro. Pode ler mais especificações no artigo “Painting on Metal: An Introduction”, de Mark Golden, 20 de Dezembro de 2016, clicando aqui.

Os suportes de madeira ou derivados são uma opção normalmente mais acessível que os metais e oferecem uma resistência mecânica muito boa. Contudo a sua utilização requer uma preparação da base mais exigente e um acabamento isolante mais cuidadoso. Se a qualidade da madeira e da sua preparação for boa, seguramente teremos uma pintura resistente.

As pinturas a óleo que melhor resistiram ao tempo foram feitas sobre painéis de madeira. Um bom exemplo é o “O Retrato de Arnolfini”, do pintor Jan van Eyck. Esta pintura data de 1434 e está num excelente estado de conservação tendo em conta os seus quase 600 anos. Pode encontrar mais detalhes sobre preparação de painéis para pintura no artigo “Painéis para Óleo e Têmpera”, do site Cozinha da Pintura, 6 De Dezembro De 2010, clicando aqui.

Os suportes flexíveis podem ser de pano ou papel, sendo as telas de pano a opção mais comum nos dias de hoje. A facilidade de transporte e preços muito acessíveis fizeram das telas de pano o suporte mais popular. Depois de desmontada, uma tela de grandes dimensões pode ser embalada numa caixa relativamente pequena. E, se tivermos um técnico habilidoso, podemos montá-la novamente no local de destino. Desta forma poupamos duas vezes, no preço do suporte e no preço do transporte.

Mas estas vantagens não são as necessárias para garantir a longevidade da pintura. Esta depende da estabilidade do tecido e da preparação que nele é feita. Em teoria qualquer tecido pode ser usado para fazer uma tela. No entanto, se queremos uma pintura duradoura, temos de optar por uma grade de madeira dura, um pano de linho de grande densidade e acreditar que a forma como foram preparados garantem resistência aos agentes como fungos e humidade.

Existem vários tipos de pano disponíveis, com variações no tipo de fibra, densidade e preparação. Entre os artistas é consensual que o linho é o tecido que oferece as melhores características, principalmente o “Linho Belga”, sendo o tipo de tecido para tela mais usado na Europa e nos EUA. O linho é também o mais usado desde a antiguidade. Contudo, a sua qualidade é variável. Será tanto melhor quanto maior a sua densidade e menor a sua elasticidade.

Avaliar a qualidade do pano numa pintura é difícil, por isso, e se não quiser arriscar, procure pinturas feitas sobre Linho. Para todos os efeitos é o pano mais usado da história, e se tiver um aspecto próximo ao da imagem, é meio caminho andado para ser de boa referência. Pode ler mais sobre tecidos para tela no artigo “Tecidos para Pintura a Óleo”, do site Cozinha da Pintura, 23 De Dezembro De 2010, clicando aqui.

Se estiver a pensar “Como posso saber de que material é feito o suporte quando só vejo a pintura de frente?” Nada melhor que pegar na obra e ver o verso. Se não se sentir confortável, e para não incorrer em indelicadeza, peça a quem de direito que faça o favor.

A Base

A Base serve para evitar que a tinta entre em contacto directo com o suporte. Na pintura a óleo é fundamental porque o óleo oxida em vez de secar. Como esta reacção favorece a degradação de muitos suportes, é necessário aplicar uma camada que proteja o suporte. A base tem ainda outras funções como a uniformização da textura e da capacidade de absorção.

Uma boa parte dos artistas prefere adquirir suportes já preparados. Outros preferem criar superfícies mais adaptadas ao tipo de pintura que executam.

Para o observador é impossível identificar esta camada, excepto quando o artista a deixa visível. Por isso, é usual passar despercebida e não se questionar os artistas sobre isso. Ainda assim, os observadores mais atentos quando visitam o meu ateliê fazem perguntas sobre isso.

Perguntar sobre este tema pode apanhar o artista desarmado, mostrando que não é um apreciador qualquer. Talvez seja uma estratégia para o convencer a dar explicações mais cuidadosas sobre o seu trabalho e os processos que usa. Embora seja um tema pouco determinante para o aspecto final da pintura, é seguramente um ponto importante para a sua conservação.

Existem dois tipos principais de bases: o tradicional e o sintético. As bases tradicionais são feitas de cola animal, gesso e pigmento. São mais absorventes, mas menos resistentes a agentes como fungos. As bases sintéticas são feitas de acrílico e pigmento, são menos absorventes, mais elásticas e mais resistentes a agentes externos. Embora as marcas incluam no fabrico das bases artesanais compostos antibacterianos e antifúngicos, Virgil Elliott, entre outros, refere como mais indicado as bases acrílicas para efeitos de conservação a longo prazo.

 

As Tintas

As tintas à base se óleo começaram a ser usadas muito antes de Cristo e o óleo de linhaça tornou-se o médium dominante a partir de meados do século XVII com os mestres flamengos e holandeses.

As tintas são compostas por pigmentos, óleo, estabilizadores e inertes. As marcas de tinta Artesanal ou Premium são as que oferecem a melhor qualidade. As de maior prestígio são: Michael Harding, Vasari, Robert Doak, Maimeri Puro e Williamsburg. A grande maioria dos seus pigmentos tem uma resistência à luz de nível I, o que indica que a cor resiste mais de 100 anos em condições de museu. Estas marcas são também reconhecidas por ter a melhor relação pigmento/óleo, sempre em função do pigmento e com o mínimo de aditivos necessários. Este facto é o que garante a melhor estabilidade da camada de tinta.

Eu sei, não é nenhuma das marcas mais conhecidas ou fáceis de encontrar, como a Winsor & Newton, Rembrandt ou Schmincke. Estas marcas, mesmo nas séries profissionais, oferecem produtos standard e que respondem à procura de um grande público. Ainda assim, publicitam garantias interessantes e que devem ser levadas em conta.

Permitam-me uma nota sobre a única marca portuguesa de tintas à base de óleo: a Dartecor. Apesar de não estar no top 5, tem em sua defesa o facto de ser uma marca jovem. As tintas têm uma grande capacidade de cobertura e são classificadas como Premium. É a marca que mais uso por ser a melhor a que tenho acesso. Espero que o tempo lhe traga créditos.

Para produzir pinturas de maior longevidade é necessário recorrer a marcas que garantam tintas com pigmentos de qualidade e com a melhor relação medium/pigmento. Às tintas mais baratas as marca acrescentam inertes com o objectivo de reduzir a quantidade dos componentes caros e uniformizar a textura das cores. Isto obriga os artistas a usar mais camadas de tinta ou camadas mais espessas, perdendo o controlo sobre os efeitos que procuram e aumentando o risco de fissuras.

Apesar de tudo, no que toca às tintas, o factor mais determinante é o procedimento que o artista usa. Por muito boa que seja a tinta, se for usada com demasiado óleo, vai produzir uma película de tinta irregular. Se for usada com demasiado diluente não haverá garantia da fixação do pigmento.

Por isso, outro ponto a ter em conta é a qualidade do “médium” que é usado durante o processo de pintura. Sem me querer alongar nas suas variações e normas da sua utilização, o médium é constituído por óleo e diluente, e deve ser usado na menor quantidade possível. Os artistas mais experientes fazem o seu próprio médium porque sabem que características a tinta deve ter para o seu estilo de pintura.

O óleo mais usual é o óleo de Linhaça. O óleo de Cártamo, o óleo de Papoila, o óleo de Girassol e o óleo de Lavanda também podem ser usados. O diluente mais banal é a Terebintina, de origem vegetal. Outras opções são o White Spirit e o Sansodor (versões derivadas do petróleo). Na forma pura ou em mistura, permitem variações no tempo de secagem, espessura da camada de tinta e vibração da cor.

Questionar o artista sobre as suas preocupações quanto às tintas e ao médium que usa é provavelmente a única forma de avaliar a longevidade da camada de pintura. Ainda assim há muito espaço para erros e novidades no que toca às tecnologias da pintura. Um artista que se mantém actualizado será, talvez, a melhor aposta.

O Verniz

O Verniz é uma resina que se aplica sobre a pintura. Apesar de se tratar de um acabamento opcional, oferece inúmeras vantagens.

A qualidade depende sobretudo da sua durabilidade e a sua permanência. A durabilidade diz respeito às variações de transparência e de elasticidade ao longo do tempo. Um bom verniz deve manter-se translucido e incolor por muito tempo. A permanência reflecte a forma como o verniz se liga à tinta, determinando se pode ser removido ou não. O ideal é usar vernizes removíveis. Assim, quando estiverem envelhecidos, basta remover e aplicar outro sem correr o risco de danificar a pintura.

A vantagem mais óbvia de usar verniz é proteger a pintura de danos físicos como os causados por insectos ou acidentes abrasivos. O verniz também isola a pintura do ar, protegendo-a das variações de humidade, pó e poluição. Este facto torna o processo de limpeza e manutenção da pintura mais seguro. Lembre-se que se alguém usar um produto errado para limpar uma pintura, esta ficará danifica para sempre se não tiver verniz.

Outra função é uniformizar a saturação das cores. As cores das tintas de óleo quando secam tornam-se mais baças. Este fenómeno é mais visível nuns pigmentos que noutros. A aplicação de verniz cria a sensação de “húmido”, saturando as cores como se ainda não estivessem secas. Assim, uma pintura pode apresentar sempre o esplendor de ter sido acabada de fazer.

Os fabricantes oferecem vernizes com diferenças de acabamento, entre fosco e brilhante. A função desta diversidade é meramente estética. Por isso, podemos escolher o verniz de forma a garantir qualidade ao mesmo tempo que favorece a pintura e a adaptação ao espaço a que se destina.

Existem vernizes com resinas naturais e sintéticas. A preferência fica ao gosto de cada um. Contudo, sobretudo no caso das resinas sintéticas, é aconselhado escolher marcas de empresas reconhecidas pelos seus estudos, como a Gamblin, Golden, Royal Talens ou a Winsor & Newton. Desconfie de vernizes de uso geral ou não específicos para pintura a óleo.

Procurei, neste artigo, apresentar informação que permita a compradores ou apreciadores de pintura saberem como podem avaliar a qualidade dos materiais de uma pintura a óleo ou, pelo menos, saber questionar quem de direito.

Ao visitar o ateliê de um pintor verá em primeira mão o tipo de materiais que ele usa e as experiências que leva a cabo. Com os conhecimentos que este artigo apresenta, rapidamente saberá qual a qualidade e se determinada obra responde ou não aos seus objectivos.

Feliz e inevitavelmente, o avanço da ciência e da tecnologia trás novos conhecimentos, pondo em causa alguns dos anteriores e revalidando outros. Pelo que, haverá sempre espaço para questionar a qualidade dos materiais e as garantias apresentadas pelos artistas. Um bom exemplo disto é a actual discussão sobre a longevidade dos pigmentos de origem orgânica. Deixo aqui a ligação para um artigo escrito por George O’Hanlon, sobre esta questão.

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