A Qualidade numa Obra de Artes Plásticas
Entre a Ideia e o Material
por Alexandre Coxo, 23 de Fevereiro de 2020
Avaliar a qualidade de uma obra de arte é complicado. Há quem defenda que nem tudo o que é visível é possível de ser descrito por palavras. Confesso-me apoiante desta ideia e por isso defendo que a qualidade de uma obra de arte plástica é perceptível assim que a vemos.
Sejamos sinceros, se se trata de pintura ou escultura, o que a obra mostra é o que ela pode dar. Por muito apaixonada que seja a explicação do vendedor, o que vamos comprar é a obra.
Na minha opinião, e como disse no artigo “Adquirir Arte com Confiança”, a qualidade de uma obra resulta do equilíbrio entre a qualidade do material e a qualidade da ideia apresentada. Embora seja uma formulação simples, transparece bem a relação íntima que existe entre os dois pontos. Para todos os efeitos, o papel do artista é manipular o material de forma a comunicar uma ideia.
Normalmente consideramos que o artista é o fazedor da obra de arte, o que não é necessariamente verdade. Contudo, para facilitar o desenvolvimento do que quero apresentar, quando refiro “artista” leia-se “o fazedor”.
Aqui procurarei desenvolver um pouco mais este tema e, depois de uma breve referência à “qualidade da ideia”, falarei da “qualidade do material” na pintura, por esta ser a área que desenvolvo e na qual me sinto mais confortável.
Parte I – A Ideia
Avaliar a “qualidade da ideia” numa obra de arte é inevitavelmente um exercício subjectivo e muito dependente da intenção do observador. Por esta razão escrevo apenas algumas notas como motivo para discussão.
- Podemos partir do principio que o contexto, em que a obra se encontra ou para que a obra se destina, é o ponto de partida para definir o critério de pertinência. Mas nem sempre é o suficiente ou nem sempre faz desse o critério que nos interessa mais.
- Talvez seja justo dizer que uma obra de arte servirá tanto melhor uma ideia quanto mais claro for o problema que procura resolver. Por exemplo, se o interesse é enriquecer um espaço informal e neutro onde a cor dominante é o vermelho, é possível que a melhor pintura para esse espaço seja uma tela toda vermelha. Se não temos motivo para introduzir mais elementos, é justo perguntar porquê fazê-lo? E porquê pagar por isso?
- Felizmente, para os artistas, a cor não é o único motivo para se comprar uma pintura. Maria de Médicis, mais tarde Rainha de França, sabia disso quando encomendou a pintura “O desembarque em Marselha” a Peter Paul Rubens, exigindo ser retratada com a elevação merecida.
- Algumas obras têm um carácter experimental ou preparatório e isso nem sempre as torna menos interessantes. Muitas vezes é essa dimensão que confere frescura às obras e faz delas apelativas. A aguarela “Olhando para Leste de Giudecca Nascer do sol” de W. Turner, exposta no The British Museum, em Londres, é um bom exemplo deste fenómeno.
- Outro problema, bem diferente dos exemplos anteriores, é fazer obras para uma exposição num museu de arte contemporânea. Se o artista se propõe a apresentar um espectáculo sobre a “ética no Império Romano”, apresentar um “exercício de escola ao estilo pré-rafaelita” talvez não seja a melhor opção. Mesmo que tenha de estudar 4 ou 5 anos para conseguir preencher um folha A4 e por muito simbólico que seja o esforço, o público veria apenas uma folha A4 com um bom desenho académico e não a reflexão sobre ética pela qual pagou bilhete.
Parte II – O Material
O outro ponto a ter em conta para avaliar uma obra de arte é a qualidade do material em que foi produzida. Este ponto está longe de ser simples, e embora mais pragmático que o anterior, não é completamente objectivo. Principalmente no que toca às opções de composição e ao que caracteriza o estilo do artista.
Qualquer vendedor usa frases feitas como: “esta obra foi feita com bons materiais”, “o artista é muito competente” e “está bem lançado”, mas isso ajuda pouco quem quer comprar uma obra com a confiança de estar a fazer uma boa escolha ou queira tirar prazer de uma observação mais detalhada. Acreditar em frases com esta superficialidade é meio caminho andado para pagar muito por algo que vai durar pouco.
As características físico-químicas dos materiais são conhecidas com rigor suficiente para considerarmos as previsões dos fabricantes quanto ao comportamento dos materiais ao longo do tempo. Por exemplo, a ASTM (American Society for Testing and Materials) usa uma tabela de 5 níveis para classificar a resistência à luz de um pigmento usado em materiais artísticos, sendo o nível I o que indica que a cor resiste mais de 100 anos em condições de museu, e o nível V o que indica que a cor apresenta alterações significativas em apenas dois anos para condições museológicas.
Embora a indústria das tintas esteja em constante evolução e se tenham descoberto novos pigmentos e posto em causa conhecimentos sobre os anteriores, podemos afirmar que a variável mais imprevisível é a manipulação que o artista faz dos materiais. No caso da pintura, os materiais são sujeitos à manipulação directa e, por muito cuidadoso que o artista seja, a espessura da camada de tinta nunca poderá reclamar o rigor dos robôs que a Ferrari usa para pintar carros.
Assim, cabe ao artista seleccionar os materiais e os processos que usa para levar a cabo a produção das obras que deseja e em consequência disso dar garantias sobre o seu trabalho. Hoje, existem centenas de marcas de tintas, suportes, pincéis e todos os etcéteras. De tintas com pigmento de ouro para metal a tintas à base de óleo produzidas com os métodos clássicos, as marcas oferecem um sem número de possibilidades. Se por um lado é mais fácil para o artista dar resposta às necessidades do mercado, por outro é mais difícil esquivar-se a justificações sobre falhas técnicas.
Se procurarmos enriquecer um espaço com uma obra que resista a várias gerações temos de ter em conta os seguintes factores: resistência do suporte às variações de humidade e temperatura do local, resistência à luz dos pigmentos e a aderência da camada de tinta ao suporte.
É consensual que a pintura a óleo é a mais estável e que oferece a maior longevidade à pintura. Para todos os efeitos dá provas há mais de 600 anos e é mais versátil que os concorrentes como a pintura a fresco ou o mosaico. No artigo “A Qualidade dos Materiais numa Pintura a Óleo” desenvolvo um pouco mais este assunto referindo alguns materiais e marcas de referência. Também dou algumas dicas sobre como identificar qual o material usado numa determinada pintura. Para ler mais clique aqui.
Isto não significa que se deva pintar com este médium em qualquer situação. Pelo contrário, como referi agora podemos dar resposta a todas ou quase todas as necessidades, incluindo as que a pintura a óleo não é indicada, como personalizar um automóvel ou uma tatuagem (espero sinceramente que ninguém o faça com tintas à base de óleo de linhaça, quer num caso quer no outro).
Uma das vantagens de visitar o ateliê de um pintor é poder ver em primeira mão o tipo de materiais que ele usa e as experiências que leva a cabo. Mesmo com um conhecimento básico sobre tintas e suportes, rapidamente saberá qual a qualidade e se determinada obra responde ou não aos seus objectivos.
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